domingo, 16 de outubro de 2011

O Vinho de Cevada (Barley WIne)



Biertruppe Vintage Nº1

Quem disse que os pecados capitais só trazem maldades? Sabia que foi graças a inveja que surgiu um dos estilos mais complexos de cerveja? Falo do Barleywine!

Explico:

Os mestres-cervejeiros britânicos sempre olharam para os comerciantes de vinho franceses com certa inveja. O motivo foi que, apesar da máxima de Shakeaspeare “ a quart of ale is a meal fit for a king” (um quarto de cerveja é uma refeição apta para um rei), a aristocracia britânica falava francês e bebia vinho. Assim sendo, a cerveja foi relegada as massas saxônicas. 

Autêntica Barley Wine Inglesa
A Inglaterra é muito fria e nublada para o cultivo de uvas destinadas so vinho, então a aristocracia importava a bebida. O aparecimento de uma forte classe mercante inglesa no início de Séc. XVIII, o desenvolvimento dos pale malts e uma visão mais científica do processo de brassagem deram origem a cervejas que podiam rivalizar com os melhores vinhos em termos de elegância, complexidade e poder. Estas cervejas eram feitas para a aristocracia, que estava cansada de ter seu abastecimento de vinho cortado em razão das guerras com a França.

Essas poderosas cervejas eram chamadas de October Beers, Dorchester Beers, malt liquors ou malt wines. No início do séc XIV finalmente o termo “barley wine” foi adotado.

Os cervejeiros britânicos tiveram sua inveja substituída por orgulho e satisfação. As pessoas começaram a escrever prosas e poesias sobre essa cerveja, e deixaram a água e o vinho para os franceses.

Assim surgiu este estilo fabuloso de cerveja, um dos mais complexos para ser elaborado. Requer muita habilidade do mestre-cervejeiro, de forma que quem o produzia com qualidade, ganhava grande admiração. Quando bem feito, temos uma bela profundidade de sabor, riqueza sem comparação e um aroma inebriante.



Toda essa introdução foi em função da sensação inigualável que uma cerveja causou em mim recentemente. Refiro-me a Nº1 da Biertruppe. Uma organização cervejeira comandada por quatro grandes nomes do nobre líquido no Brasil: Alexandre Bazzo, Leonardo Botto, André Clemente e Edu Passarelli.

Uma cerveja espetacular que maturou por cem dias em barril de carvalho, o que lhe conferiu uma complexidade inigualável. Percebe-se logo no aroma a maestria na elaboração dessa obra prima.

Infelizmente já não a encontramos mais. Torço para que seja feito novo lote. Ela merece.

Biertruppe Vintage Nº1

·         Nome: Vintage Nº1
·         País de Origem: Brasil
·         Onde encontrar: Talvez os criadores ainda tenham alguma
·         Prêmios: ?
·         Fermentação: De alta superfície (ALE)
·         Estilo no BJCP: 19
·         Características: Complexa, inebriante, encorpada e elegante.
·         Ingredientes: Água, malte de cevada, lúpulo e fermento.
·         Teor Alcoólico: 9% ABV
·         Temperatura Ideal: 10 graus
·         Harmonização: É uma cerveja para se beber sozinha, aos pequenos goles. Talvez um queijo envelhecido e maturado de extrema qualidade faça um bom acompanhamento.
·         Envase Avaliado: Long Neck

Minha Avaliação:

                            Ao deitá-la na taça, logo percebi que não se formaria um creme e que eu estava diante de um liquido diferenciado. Sua coloração é de um marrom intenso sensacional, muito polido e opaco que contra a luz apresenta nuances avermelhada e acastanhada. Percebe-se com a visão o corpo dessa cerveja. A auréola tímida de espuma pertence a um bege claro. O aroma é espetacular, complexo e único. Algo que jamais senti. Notas de vinho, chocolate amargo, tostadas, avelãs, caramelo e frutadas misturam-se em algo inebriante. O sabor é profundo e de  riqueza incomparável. Aqui sentimos todo seu descanso em barris de carvalho. Sentimos primeiro forte doce do caramelo e saboroso centro de malte. Após alguns goles, as notas de vinho, frutas secas e condimentadas aparecem nas laterais. O final é seco, amargo, quente pelo álcool e amadeirado. Estupendo. Retro gosto adocicado e fenólico perdura eternamente. Carbonatação baixa, levemente adstringente, rica e complexa, sente-se o álcool na garganta. Corpo licoroso e aveludado que dá vontade de mastigar. Cerveja para ser contemplada a pequenos goles e com muita calma. Uma obra de arte nacional. O mundo cervejeiro merece essa cerveja


A seguir passo uma inspirada avaliação da mesma cerveja, autoria do amigo Mauricio Beltramelli, responsável pela criação do site Brejas e um dos maiores conhecedores do assunto no país. Essa avaliação mostra o quanto uma cerveja de qualidade pode mexer profundamente com nossas emoções.

"Acomodo-me na poltrona do teatro à espera da afinação da orquestra, que trina acordes desconexos. Faz-se o protocolo de entrada do maestro, aplausos, batidinhas de batuta a pedir atenção aos músicos. Silêncio. Vai começar a sinfonia.

Com suavidade, são as cordas que iniciam. No aroma, violinos… Notas vínicas assertivas, lembrando vinho do Porto. Frutas secas escuras, sobretudo uvas-passas. O tostado se faz presente, mas de forma lânguida, quase fugaz. As harpas trazem o acalento de se estar em uma cave de pedras. Um tênue mofo se faz sentir, lá no fundo, delicioso. De repente, eis que o piano chega à cena, portando consigo notas de maçãs, pêras, frutas vermelhas, tâmaras secas e delírio.

Um interlúdio e vamos às madeiras. As flautas, sempre doces, vêm ao paladar. Dulçores nobilíssimos misturam frutas passas, tostado, toffee. Clarinetes anunciam laranjas em compota. E alguém falou em tâmaras secas? No teatro imaginário onde estou, porto no bolso um saquinho contendo algumas. Peço licença ao vizinho de poltrona e tento a harmonização. Certeira! Como se a cerveja fosse feita da fruta.

Eis que a sinfonia se aproxima do final, e chegam os instrumentos de percussão. Tímpanos fazem aparecer mais laranjas, desta vez frescas. Bumbos chegam ao socorro, sempre afirmando os caracteres tostados e achocolatados. Címbalos de caramelos e ameixas. O regente comanda ás últimas notas, secas, inesquecíveis.

Saio do teatro já pensando na próxima sinfonia. Haverá?"

Agradeço ao confrade Mauricio por ter permitido a publicação. 


Esse estilo de cerveja geralmente é mais caro, pois ele requer certo tempo de maturação, e isso custa dinheiro. Mas eu garanto que depois do primeiro gole, não pensamos mais quanto custou ou se valeu a pena. Apenas apreciamos.


Cheers!
               

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