Biertruppe Vintage Nº1
Quem disse que os pecados capitais só trazem maldades? Sabia que foi graças a inveja que surgiu um dos estilos mais complexos de cerveja? Falo do Barleywine!
Explico:
Os mestres-cervejeiros britânicos sempre olharam para os comerciantes de vinho franceses com certa inveja. O motivo foi que, apesar da máxima de Shakeaspeare “ a quart of ale is a meal fit for a king” (um quarto de cerveja é uma refeição apta para um rei), a aristocracia britânica falava francês e bebia vinho. Assim sendo, a cerveja foi relegada as massas saxônicas.
Autêntica Barley Wine Inglesa |
A Inglaterra é muito fria e nublada para o cultivo de uvas destinadas so vinho, então a aristocracia importava a bebida. O aparecimento de uma forte classe mercante inglesa no início de Séc. XVIII, o desenvolvimento dos pale malts e uma visão mais científica do processo de brassagem deram origem a cervejas que podiam rivalizar com os melhores vinhos em termos de elegância, complexidade e poder. Estas cervejas eram feitas para a aristocracia, que estava cansada de ter seu abastecimento de vinho cortado em razão das guerras com a França.
Essas poderosas cervejas eram chamadas de October Beers, Dorchester Beers, malt liquors ou malt wines. No início do séc XIV finalmente o termo “barley wine” foi adotado.
Os cervejeiros britânicos tiveram sua inveja substituída por orgulho e satisfação. As pessoas começaram a escrever prosas e poesias sobre essa cerveja, e deixaram a água e o vinho para os franceses.
Assim surgiu este estilo fabuloso de cerveja, um dos mais complexos para ser elaborado. Requer muita habilidade do mestre-cervejeiro, de forma que quem o produzia com qualidade, ganhava grande admiração. Quando bem feito, temos uma bela profundidade de sabor, riqueza sem comparação e um aroma inebriante.
Toda essa introdução foi em função da sensação inigualável que uma cerveja causou em mim recentemente. Refiro-me a Nº1 da Biertruppe. Uma organização cervejeira comandada por quatro grandes nomes do nobre líquido no Brasil: Alexandre Bazzo, Leonardo Botto, André Clemente e Edu Passarelli.
Uma cerveja espetacular que maturou por cem dias em barril de carvalho, o que lhe conferiu uma complexidade inigualável. Percebe-se logo no aroma a maestria na elaboração dessa obra prima.
Infelizmente já não a encontramos mais. Torço para que seja feito novo lote. Ela merece.
Biertruppe Vintage Nº1
· Nome: Vintage Nº1
· País de Origem: Brasil
· Onde encontrar: Talvez os criadores ainda tenham alguma
· Prêmios: ?
· Fermentação: De alta superfície (ALE)
· Estilo no BJCP: 19
· Características: Complexa, inebriante, encorpada e elegante.
· Ingredientes: Água, malte de cevada, lúpulo e fermento.
· Teor Alcoólico: 9% ABV
· Temperatura Ideal: 10 graus
· Harmonização: É uma cerveja para se beber sozinha, aos pequenos goles. Talvez um queijo envelhecido e maturado de extrema qualidade faça um bom acompanhamento.
· Envase Avaliado: Long Neck
Minha Avaliação:
A seguir passo uma inspirada avaliação da mesma cerveja, autoria do amigo Mauricio Beltramelli, responsável pela criação do site Brejas e um dos maiores conhecedores do assunto no país. Essa avaliação mostra o quanto uma cerveja de qualidade pode mexer profundamente com nossas emoções.
"Acomodo-me na poltrona do teatro à espera da afinação da orquestra, que trina acordes desconexos. Faz-se o protocolo de entrada do maestro, aplausos, batidinhas de batuta a pedir atenção aos músicos. Silêncio. Vai começar a sinfonia.
Com suavidade, são as cordas que iniciam. No aroma, violinos… Notas vínicas assertivas, lembrando vinho do Porto. Frutas secas escuras, sobretudo uvas-passas. O tostado se faz presente, mas de forma lânguida, quase fugaz. As harpas trazem o acalento de se estar em uma cave de pedras. Um tênue mofo se faz sentir, lá no fundo, delicioso. De repente, eis que o piano chega à cena, portando consigo notas de maçãs, pêras, frutas vermelhas, tâmaras secas e delírio.
Um interlúdio e vamos às madeiras. As flautas, sempre doces, vêm ao paladar. Dulçores nobilíssimos misturam frutas passas, tostado, toffee. Clarinetes anunciam laranjas em compota. E alguém falou em tâmaras secas? No teatro imaginário onde estou, porto no bolso um saquinho contendo algumas. Peço licença ao vizinho de poltrona e tento a harmonização. Certeira! Como se a cerveja fosse feita da fruta.
Eis que a sinfonia se aproxima do final, e chegam os instrumentos de percussão. Tímpanos fazem aparecer mais laranjas, desta vez frescas. Bumbos chegam ao socorro, sempre afirmando os caracteres tostados e achocolatados. Címbalos de caramelos e ameixas. O regente comanda ás últimas notas, secas, inesquecíveis.
Saio do teatro já pensando na próxima sinfonia. Haverá?"
Com suavidade, são as cordas que iniciam. No aroma, violinos… Notas vínicas assertivas, lembrando vinho do Porto. Frutas secas escuras, sobretudo uvas-passas. O tostado se faz presente, mas de forma lânguida, quase fugaz. As harpas trazem o acalento de se estar em uma cave de pedras. Um tênue mofo se faz sentir, lá no fundo, delicioso. De repente, eis que o piano chega à cena, portando consigo notas de maçãs, pêras, frutas vermelhas, tâmaras secas e delírio.
Um interlúdio e vamos às madeiras. As flautas, sempre doces, vêm ao paladar. Dulçores nobilíssimos misturam frutas passas, tostado, toffee. Clarinetes anunciam laranjas em compota. E alguém falou em tâmaras secas? No teatro imaginário onde estou, porto no bolso um saquinho contendo algumas. Peço licença ao vizinho de poltrona e tento a harmonização. Certeira! Como se a cerveja fosse feita da fruta.
Eis que a sinfonia se aproxima do final, e chegam os instrumentos de percussão. Tímpanos fazem aparecer mais laranjas, desta vez frescas. Bumbos chegam ao socorro, sempre afirmando os caracteres tostados e achocolatados. Címbalos de caramelos e ameixas. O regente comanda ás últimas notas, secas, inesquecíveis.
Saio do teatro já pensando na próxima sinfonia. Haverá?"
Agradeço ao confrade Mauricio por ter permitido a publicação.
Esse estilo de cerveja geralmente é mais caro, pois ele requer certo tempo de maturação, e isso custa dinheiro. Mas eu garanto que depois do primeiro gole, não pensamos mais quanto custou ou se valeu a pena. Apenas apreciamos.
Cheers!
Nenhum comentário:
Postar um comentário