sábado, 25 de novembro de 2017

Lambics, Flanders Ales, Sour Ales, Brettanomyces, Pediococcus... Parte 2

Fermentação espontânea rolando dentro da barrica.
Faaaala Galera!! Beleza?

Demorei para postar, mas segue a segunda parte dos “bichinho louco” que transforma mosto em cervejas complexas e inexplicáveis.

Se você não viu a primeira parte, da uma conferida clicando aqui, pois irá facilitar o entendimento dessa.

Agora vamos falar um pouco sobre cada micro-organismo que atua na produção de cervejas selvagens.

ACETOBACTER

São responsáveis pela produção do vinagre, oxidando etanol para acido acético. Ela pode destruir cerveja e vinho produzindo uma quantia excessiva de acido acético ou seu éster derivado, acetato de etilo, que pode resultar em uma bebida não consumível. Por ser um acido afiado, e azedo, ele é agradável apenas em quantidade baixas a moderada nas cervejas selvagens. Acetobacter contribui muito para a parte acida do perfil de sabor das Flanders Red, tem um espaço menor nas lambics e é quase imperceptível nas Flanders Browns.
Acetobacter requer oxigênio para converter álcool em acido acético. Normalmente transportado pelo ar, ela irá infectar bebidas alcoólicas em qualquer lugar do mundo.
 
Batendo um papo com Karl Verhaeghe, cervejeiro responsável pela Duchesse De Bourgogne, uma das principais Flanders Red Ale do mundo.
BRETTANOMYCES

Por volta de 1904, o diretor do laboratório da cervejaria Calbersg na Dinamarca, N.Hjelte Claussen descobriu um micro-organismo que causava uma segunda fermentação nas stock ales inglesas. Claussen a nomeu Brettanomyces que literalmente significa “British Brewing Industry Fungus.”
Extremamente importante para as cervejas selvagens, contribuem para o caráter das lambics, belgians flanders red, cervejas que desafiam estilo, incluindo variedades americanas que fermentam apenas com brettanomyces. Produtores de vinho divergem sobre as brettanomyces quanto a serem amigas ou inimigas. Alguns a consideram como parte importante do seu vinho, outros a consideram um organismo capaz de estragar a bebida.
Existem hoje cinco cepas reconhecidas das Brettanomyces. O nome Dekkera é geralmente usado indistintamente com Brettanomyces. São do mesmo gênero, Dekkera refere-se ao tipo esporogênico de levedura, enquanto Brettanomyces não produz esporos. A importância da designação está na rapidez da reprodução. Se cresce rápido, não é Dekkera.

A espécie mais importante pro cervejeiro selvagem é Brettanomyces Bruxellensis, ela produz muito do caráter selvagem achado nas lambics, incluindo o clássico “couro de cavalo” e “torta de cereja”. Bruxellensis refere-se a uma cepa encontrada dentro de Bruxelas, Brettanomyces Lambicus para Cepas cultivadas na Payotteland. Cada cepa tem características diferentes. Os cervejeiros consideram que cada Brettanomyces é única a cada cervejaria. A complexidade das cervejas selvagens se beneficia do uso de cepas múltiplas.
Brettanomyces são super atenuantes. Elas continuam a consumir açucares, mesmo dextrina , que não é fermentado pela saccharomyces, por muitos anos. A superatenuação acontece pela habilidade da beta glucosidae (inerente nas brettanomyces) quebrar amidos e dextrina e liberar glucose. A maioria dos açucares contidos numa cerveja que tem brettanomyces pode ser fermentado, dado o tempo correto e condição. Brettanomyces requer uma concentração mínima de açúcar para sobreviver então jamais irá consumir todo açúcar do mosto.
Brettanomyces trabalham melhor em mostos com baixo PH com ou sem a presença de oxigênio, diferente das saccaromyces, ela prefere condições aeróbicas.  Ela irá cessar sua reprodução em um ph abaixo de 3,4. Ela produz tanto acido lático quanto acético mas o ultimo apenas em condições aeróbicas.
Um caráter particular conhecido como de rato (mousy), ou de cavalo (horsy) pode aparecer em cervejas e vinhos infectados com brettanomyces. Ela também exibe uma propensão estranha de formar uma película, uma cobertura branca grossa  e grumosa no topo do líquido durante a fermentação. Essa película ajuda a proteger contra a oxidação durante o longo processo de fermentação assim como contra mofos e acetobactéria não desejáveis, portanto deve ser deixada intacta.
Experts continuem a debater sobre como exatamente a brettanomyces se torna estabilizada; ninguém está precisamente certo.  Ela comumente reside nas cascas de frutas. Os pomares de cereja  que circundam Bruxelas serviram como um lar para as brettanomyces até quando os pomares morreram no final do século vinte. Comumente encontrada  nos pomares de uvas e no solo das vinícolas francesas. Brettanomyces pode ser transportada pelo ar e há quem diga que a mosca-das-frutas pode promover a propagação. Uma vez dentro da cervejarias, madeira exposta, o solo, telhas, feixes e especialmente os barris fornecem um ambiente ideal para sua propagação.
 
Brinde com Lambics na Oud Beersel,
ENTEROBACTER

Enterobacter produz os compostos de sabor tradicionalmente presentes em lambics novas, de um ou dois meses. A maioria das espécies de enterobacteria fermentam glucose em acido acético e lático e produzem acetato etílico e outros subprodutos como sulfureto de dimetilo (dimethyl sulfide). Alguns irão fermentar lactose, produzir dióxido de carbono e crescer na presença de oxigênio. Ela produz muitos dos aromas e sabores comumente considerados não desejáveis nas lambics, incluindo vegetal, esfumaçado (smoky), de mofo (moldy) e o sempre popular fralda de bebe. Numa fermentação bem sucedida, esses subprodutos não serão tão evidentes, e alguns produtores de lambic almejam evitar esta fase completamente.
Enterobacteria pode apresentar riscos para humanos (almonela), mas nenhuma bactéria patogênica afeta as lambics ou sobrevivem no produto final. Suscetível tanto a altos níveis de acidez  quanto de álcool, ela sobrevive apenas por um tempo relativamente curto na fermentação das lambics, deixando de reproduzir em ph próximo de quatro.

Tirando uma Straight Lambic na Hanssens Artisanaal.
LACTOBACILLUS

Lactobacilos apresenta maior papel na fermentação das Flanders e um papel menor nas Lambics. Por ser uma anaeróbica facultativa, ela pode fermentar tanto na presença ou ausência  de oxigênio, mas prefere quando este tem menor presença. Ela produz acido lático que é menos censurável do que o acético devido ao seu toque especial na maioria das cervejas selvagens, um toque azedo e picante. O Ester lactato etilo, catalisado do acido lático contribui com sabores frutados. Algumas espécies de lactobacilo podem produzir os conhecidos e indesejáveis ácidos isovalerico, isobutirico e também o composto diacetil.
Lactobacilo considera 37º C, a temperatura do intestino humano, ideal para crescimento. Com bastante comida e calor, ela irá propagar rapidamente. Altos níveis de álcool e acido lático podem matar lactobacilos. Elas deixaram de reproduzir num ph de 3.8.

LEVEDURAS OXIDATIVAS

Leveduras do gênero Candida, Cryptococcus, Hansenula, Kloeckera e Pichia pode produzir uma quantia grandiosa de acido acético quando expostos a oxigênio. Eles irão flutuar para o topo da cerveja junto com a brettanomyces (também uma levedura oxidativa), formando uma cadeia similar de correntes. Considerados organismos que estragam os vinhos, muitas espécies dessas leveduras crescem naturalmente nas cascas de frutas, como as uvas. Dessa forma, essas leveduras aparecem nas lambics naturalmente, devido ao uso de barris que fermentaram vinhos.
Kloeckera apiculata é de particular interesse para as lambics. Ela ira fermentar glicose mas não maltose, fornecer alguns ésteres florais e frutados altamente voláteis e secretar proteases no mosto que podem quebrar proteínas. De forma geral, essas leveduras têm pouco a contribuir para cerveja em questão de aroma e sabor a não ser que o mosto seja exposto a oxigênio.
 
Tilquin Kriek.
PEDIOCOCCUS

Responsável pela maior parte da produção do acido lático nas lambics, Pediococcus compartilha essa responsabilidade com Lactobacillus nas Flanders. Pediococcus fermenta glicose em acido lático, mas diferente dos lactobacilos não produz dióxido de carbono e ela também produz diacetil em leveis extremamente perceptíveis. Mas qualquer diacetil produzida geralmente ira se quebrar durante a fermentação de cervejas selvagens.
Pediococcus não trabalha, ou fermenta de forma ruim na presença de oxigênio e cresce em concentrações pequenas, mesmo nas lambics. Altas concentrações de pediococcus podem produzir quantias tão absurdas de acido lático que pode tornar a cerveja não palatável. 
Pediococcus cessa a reprodução num ph em torno de 3.4. Produtora agressiva de acido lático com mais tolerância a lúpulo do que a maioria dos lactobacilos, Pediococcus  pode ser usada em qualquer cerveja onde altos níveis de acido lático são desejáveis.
 
Salão de barricas da Hanssens Artisanaal.
SACCHAROMYCES

Literalmente “fungo do açúcar”, essa espécie de levedura usada para fermentar cervejas ainda tem um papel na produção de cervejas selvagens. Saccharomyces cerevisiae ainda fermenta a maioria dos açucares disponíveis no mosto, incluindo maltose, glicose, e maltotriose, em álcool. Além da cervisiae, outro membro da espécie, a Saccharomyces bayanus (algumas vezes chamado de Saccharomyces globusus), ocorre naturalmente nas fermentações de lambics. Geralmente usada pelas vinícolas para fazer espumantes, S.bayanus pode tolerar concentrações de álcool de até 18%abv e irá recomeçar fermentações que cessaram. Leveduras de xerez, também uma espécie de Saccharomyces apresenta alto nível de tolerância ao álcool e similar a Brettanomyces pode sobreviver nas paredes dos barris.
Vários fatores influenciam o crescimento do micro-organismos acidificantes, incluindo álcool, produção de ácido, ácidos dos lúpulos, oxigênio, a presença de amido no mosto e temperatura. Diferentes micro-organismos produzem diferentes níveis de acido e requerem diferentes períodos para crescimento ótimo.


Muito louco sacar com quantas coisas tem de se preocupar um “lambiqueiro”. Não a toa, essas cervejas demoram muito mais tempo para ficarem prontas e consequentemente apresentam um custo mais elevado. Mas a experiência é sempre fantástica.


Grande Abraço

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